Dia desses, uma notável economista, através das páginas do Estadão, conclamou a sociedade a investir contra os marajás do serviço público, que perderam o foco de sua missão, que é servir ao público.
Escrevi recentemente sobre a crise do liberalismo patrício, a incapacidade de casar o discurso da eficiência e redução do Estado, com um mínimo de sensibilidade social, solidariedade, generosidade, princípios legitimadoras de uma ação política. Enfim, mostrar que o modelo que defendem é mais eficaz que o modelo intervencionista na promoção da condição de vida da maioria da população.
Mas não conseguem deixar de olhar o próprio umbigo. Isto é, admitir as distorções amplas e óbvias no quadro fiscal, dos quais o mercado, associações de profissionais liberais e as diretorias das grandes corporações são os maiores beneficiários
Desde o governo FHC há uma lei que isenta tanto a distribuição de dividendos quanto os pagamentos feitos a título de juros sobre o capital próprio – uma distribuição simples de lucros, a título de pro-labore.
No fundo, a crítica ao Estado e aos salários dos funcionários públicos fica algo mesquinha, uma mera disputa pelo bolo orçamentário. Ou seja, a redução do custo do Estado não significará melhoria dos gastos que revertem diretamente para a população, mas garantir espaço fiscal para a ampla elisão fiscal que caracteriza o sistema brasileiro.
Tome-se a economista e sua instituição.
Cálculo 1 – a isenção fiscal com os juros sobre capital
Vamos comparar duas situações: um marajá do serviço público, alvo da economista; e um jovem analista ou operador de corretora.
O teto do funcionalismo – para aqueles funcionários com mais de 20 anos de carreira – é de R$ 35.000,00. Um procurador da República toma decisões que afetam toda a coletividade.
R$ 35.000 é um salário de quase iniciante no mercado financeiro. E a única função do operador é ganhar mais dinheiro em operações de arbitragem, e nenhuma responsabilidade mais ampla.
Compare o imposto de ambos, um pela tabela progressiva, outro pelo sistema de distribuição a título de juros sobre capital próprio.
Marajá
Mercado
Perdas
Renda mensal
35.000
35.000
IR mês
8.756
5.250
-40%
Ganho anual
455.000
455.000
IR Total
114.693
68.250
-40%
Ou seja, ganhando o mesmo que um funcionário público – ou um assalariado que pague pela tabela progressiva – o operador paga 40% a menor de Imposto de Renda.
E, mesmo assim, comparando com a tabela progressiva, cuja alíquota máxima é 27,5%, ínfima comparando com países desenvolvidos.
Cálculo 2 – a equiparação de IR entre o operador e o marajá.
Imagine dois casos: um salário pagando impostos pela tabela progressiva e outro pelo sistema de juros sobre o capital. Um salário de R$ 35.000 pela tabela progressiva paga o mesmo imposto que um salário de R$ 58.817 pelo sistema de distribuição a título de juros sobre o capital próprio.
Em cada exercício, o brilhante operador iniciante pagou R$ 45.473 a menos de IR – o que daria para sustentar 45 benefícios do Bolsa Família.
Nas faixas mais altas, a economia de IR para quem ganha R$ 178 mil daria para sustentar 148 Bolsas Família.
Salario PF
Equivalência
Perda fiscal
Bolsas Familia
35.000
58.817
45.573
45
40.000
67.983
53.698
53
50.000
86.317
69.948
69
75.000
132.150
110.573
108
100.000
177.983
151.198
148
Pergunto: sem abordar a questão da elisão fiscal no mercado financeiro, escritórios de advocacia, diretorias corporativas, dá para criticar o marajá o serviço público?
Só para os absolutamente desinformados. Informações Jornal GGN.