Eduardo Nicolau - AE
Pelé acha que Neymar deve se concentrar mais no futebol
Quando o portão da casa se abriu, o rapaz baixinho que atendia pelo nome de Edson, pediu para que a reportagem do Estado esperasse num salão no fundo da residência, próximo à piscina, do lado de um campinho gramado de futebol. Um labrador preto de nome Sobra ergueu a cabeça indiferente aos visitantes. Pepito, homem de confiança de Pelé há 45 anos, não sabia o que fazer para deixar os jornalistas à vontade, um cavalheiro. Minutos depois, o Rei surge amparado por uma bengala e abre enorme sorriso. Caminhava lentamente. Seu primeiro gesto foi erguer a própria bengala e mostrar que já estava pronto para outra. Mais magro, com a perna direita mais fina que a esquerda porque perdera músculos, Pelé se põe a contar sua história.
A simplicidade com que relata os três meses de reclusão lembra a facilidade com que derrubava seus marcadores. Aos 72 anos, Pelé estava abatido, mas confiante. Sorria e se emocionava com suas próprias palavras. Falou de tudo, da sua longa recuperação, que ainda não acabou, da seleção brasileira de Mano Menezes e agora de Felipão, de Neymar que parece um jogador comum no time nacional e da Copa de 2014. Revelou também que o filho Joshua, de 16 anos, vai morar com ele no Brasil para jogar no Sub-16 do Santos. E foi falando...
Fez questão de apresentar a filha Flávia, que o acompanha na fisioterapia quatro vezes por semana e que sempre esteve ao seu lado desde a cirurgia no quadril. Ela desce a Serra do Mar para atender o pai em casa. "Sofro nas mãos dela. Se quero parar 1 minuto antes do combinado, ela não deixa".
Pelé parece sem limites. Quer contar tudo. Pede a Edson, o ajudante da casa, para pegar 'aquele troféu na geladeira' e trazer um guardanapo de papel junto. Edson chega com um frasco daqueles de palmito contendo a parte do fêmur que Pelé arrancou do corpo, desgastado pelo futebol e pelos 1.281 gols feitos na carreira. Ninguém na mesa consegue abrir o vidro, até que o Rei dá umas batidas na tampa, com ritmo, e tira o osso do formol. Ninguém acredita. E Pelé começa a contar o processo cirúrgico. "A Flávia gravou a cirurgia, mas não gosto de ver. É horrível. Não gosto."
Pelé estava tão disposto que fez questão de mostrar parte do seu trabalho de fisioterapia, antes de abrir a porta do museu particular onde guarda tudo o que ganhou no futebol. Sem cerimônia, baixa o agasalho e mostrar a cicatriz da operação. Os músculos estão sendo refeitos. Na sala de troféus, ele vai mostrando peça por peça de sua coleção, como a réplica da taça Jules Rimet e o lendário chapéu mexicano colocado em sua cabeça após a conquista da Copa do Mundo de 1970. É uma volta ao passado, ao passado em que Pelé reinava absoluto pelos gramados. Quando os jornalistas dão por encerrada a entrevista, Pelé faz questão de mostrar algo mais. Ele leva os repórteres para seu escritório, onde as paredes são forradas de imagens do jogador em ação. Uma delas, faz questão de detalhar, em que tenta o cabeceio quase meio corpo acima do marcador. "Subindo assim, era difícil não ter o quadril desgastado." Foram quase duas horas de entrevista com Pelé.
ESTADÃO - Quando você deixou o hospital de cadeira de rodas e chorou, ano passado, muita gente ficou preocupada com seu estado de saúde. A gente nunca tinha visto o Pelé daquela forma...
PELÉ - Eu cheguei arrasado naquela saída do hospital porque me emocionei. Antes, vi muitas pessoas de cadeiras de rodas e alguns mutilados até. Todos me deram força e aquilo mexeu comigo. Fiquei um mês e meio sem fazer praticamente nada no hospital. Fiquei deitado o tempo todo. Estou nessa faz três meses. Faço o trabalho de fisioterapia com a minha filha, a Flávia, que é fisioterapeuta em São Paulo. E graças a Deus eu já pulei etapas nesse processo de recuperação. Era para passar pelo andador que eu chamo de 'quatro patas', depois para as muletas e das muletas para a bengala. Fui direto para a bengala. Deus me deu uma boa recuperação. Me sinto bem. De vez em quanto, tomo uma Novalgina porque não posso ter impacto na perna.
ESTADÃO - É que você sumiu e todos ficaram preocupado com sua saúde.
PELÉ - Estou bem. Fiz algumas aparições também, teve a conversa com o Federer e o Blatter, com repercussão internacional. Estive no Santos, de bengala, mas estive. Teve ainda um comercial que fiz com o Neymar para o sócio-torcedor do Santos. Nós também íamos inaugurar no Maracanã um busto do Pelé, mas atrasou e quando ficar pronto vou sem bengala.
ESTADÃO - E o que você fez nesse tempo todo preso à cama?
PELÉ - Nesse tempo de recuperação vi muito futebol e parei para compor minhas músicas. Eu sou compositor. O futebol era só um bico (risos). Li livros e revi alguns documentos, contratos de novos parceiros, da empresa para a qual repassei a minha marca, a Legends10. Vou diminuir um pouco as viagens, o ritmo, mas depois retomo normalmente. Nesse tempo parado, ainda atendi ao Roger Federer (tenista) no hospital e ao presidente da Fifa, Joseph Blatter. No caso do Federer foi um contrato mesmo, era uma publicidade que tínhamos de fazer juntos. Também fiz umas 10 músicas e uma delas para ser tema da Copa do Mundo. Estou falando com o Edson, da dupla Edson e Hudson, para tentar gravar... Mas ainda não está pronta... só tem a base da letra.
ESTADÃO - Ficou com sua família também...
PELÉ - Por coincidência, o meu filho Joshua, que fez 16 anos e estava jogando em Orlando, nos Estados Unidos, onde mora com a mãe, a Assíria, pediu para voltar. O Joshua vem e vai estudar aqui. Vai também jogar no Sub-16 do Santos. Pena que a Celeste ficou. Eles são gêmeos, todos sabem. Mas disse a ela que vamos esperar o Joshua se acostumar de novo aqui no Brasil... e se der certo, a Celeste vem mais pra frente. A mãe falou que eu queria dilacerar a família (risos). Do Estadão.