Emoção e aplausos marcam entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2011


Creuza Maria, presidenta da Fenatrad, foi premiada na categoria Igualdade Racial
A presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria de Oliveira, foi premiada na categoria Igualdade Racial, da 17ª edição do Prêmio Direitos Humanos 2011. Em cerimônia no Palácio do Planalto, dia 9, Creuza recebeu a premiação diretamente das mãos da presidenta da República, Dilma Roussef. A data foi escolhida devido às comemorações do Dia Internacional dos Direitos Humanos, no último dia 10, aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1948. Foram premiadas 21 categorias.
 Creuza, que também é integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Social, comemora o prêmio pela visibilidade que gera à luta do movimento negro e das trabalhadoras domésticas, categoria formada em sua maioria por mulheres negras.
“É bom ver o reconhecimento da luta das domésticas, um trabalho iniciado nos anos de 1930, com Laudelina de Campos Melo. Esse trabalho ainda teve outras lideranças cujos papeis marcaram a história da nossa luta", diz.

Negra e pobre, Creuza começou a trabalhar ainda na infância, no sertão da Bahia. Trabalhou como doméstica por longas jornadas, em troca de roupa e comida. Só aos 15 anos de idade passou a ganhar pagamento pelos serviços, que incluíam o cuidado de crianças. Há 28 anos, entrou para a luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas e desde então exerce cargo de liderança.

Leia entrevista com a companheira premiada.

Contracs: O que fez com que você se interessasse pela luta das trabalhadoras domésticas?
Creuza: Comecei a trabalhar muito criança. Depois, já adulta, eu via que todos tinham seus direitos garantidos e eu me questionava por não ter folga, nem feriado, nem salário. Sempre exerci o trabalho doméstico com prazer. Chegava a me apegar às crianças que ficavam sob meus cuidados. Mas não aceitava às condições de trabalho. Isso me incomodou a ponto de entrar na luta. Em 1983, eu ouvi no rádio da casa em que trabalhava que existia um grupo se organizando para fundar uma associação de trabalhadoras domésticas. Três anos depois fundamos a Associação Profissional das Domésticas da Bahia. Em 13 de maio de 1990, criamos o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia, do qual fui a primeira presidenta. Em 2002, assumi a FENATRAD e já estou no 3º mandato.

Contracs: Em que outras frentes você milita?
Creuza: Também milito no movimento negro e na luta das mulheres. A militância das domésticas está diretamente ligada às questões de gênero, classe social e de valorização e garantia dos direitos.

Contracs: Com 28 anos de luta, qual a maior conquista da categoria das trabalhadoras domésticas, na sua opinião?
Creuza: Considero todas importantes. Destacaria a estabilidade para a trabalhadora gestante, o direito à carteira assinada e à contribuição previdenciária. Apesar de termos direito à carteira assinada há 39 anos, ainda não temos fiscalização. Mas o principal mesmo é visibildiade dada hoje à categoria. Antes não se falava em domésticas nos espaços de debate. Mas o caminho ainda é longo: dos 34 direitos garantidos hoje aos trabalhadores pela Constituição Federal, somente nove deles são reconhecidos para os trabalhadores domésticos.

Contracs: O Prêmio Direitos Humanos é a mais alta condecoração do Governo Brasileiro a personalidades e entidades que se destacaram na defesa, na promoção e no enfrentamento e combate à violação dos Direitos Humanos no país. Como esse diálogo pode ser benéfico para as trabalhadoras domésticas?
Creuza: Essa proximidade com a agenda do governo vai despertar a sociedade para as nossas questões. Você não pode ser notado se você não existe. Quando começamos a fazer debates em espaços como o de universidades, tudo foi mudando. Costumava-se dizer que a doméstica não gera lucro para o patrão, como um trabalhador de fábrica, por exemplo. Mas agora a sociedade está começando a ver que geramos saúde, educação, limpeza e bem-estar para a família do patrão. Cuidamos de bens pessoais que não têm preço, como os filhos.

Contracs: Quais os principais desafios para vencer esse tipo de visão proconceituosa de que não há lucro para o patronal?
Creuza: Há um problema no reconhecimento dos direitos constitucionais para as domésticas pelos três poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo) que impedem certos avanços, já que os respresentantes desses poderes são todos patrões. Para resolver essa problemática, dependemos da organização da categoria, da mudança da mentalidade da sociedade e de parlamentares comprometidos com a nossa causa. Os movimentos de mulheres também são grandes parceiros. O preconceito com as domésticas está declarado até na Constituição Federal, no artigo 7º, que garante os direitos trabalhistas, “exceto para os trabalhadores domésticos”. Então, todos são iguais perante a Lei, menos as domésticas? É a Lei maior do país discriminando uma categoria formada, em sua maioria, por mulheres negras. Precisamos alterar já esse artigo. E esse é o grande próximo passo.

Contracs: E a ratificação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Brasil? O que pode ser feito no ano que se inicia para acelerar esse processo?
Creuza: Continuar mobilizando, comprometendo os parlamentares. Esse foi um ano de fato muito especial para as domésticas. Em junho, na 100ª conferência da OIT, conseguimos uma convenção específica, a 189, e o Brasil se comprometeu a ratificá-la. Outro grande passo é a inclusão da trabalhadora doméstica na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).