Maio é o mês em que se comemora conquistas libertárias. Liberdade de imprensa e de expressão. Mas o dia 3 de maio passou. Mais uma data prevista para uma votação de importância à sociedade civil brasileira e que não aconteceu. O que freou essa votação? Setores militares e simpatizantes que temem a transparência, temem a verdade e a justiça. A votação é pelo Projeto de Lei do Senado, Nº 41 de 2011, de Acesso à Informação. “A Lei tem que ser aprovada, temos que passar o Brasil a limpo, mostrar sua verdadeira história. Sou contra aqueles que defendem o sigilo eterno, temos que mostrar ao nosso povo a verdade”, declara Gilberto Truíjo, advogado e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Bauru (SP).
A Lei de Acesso à Informação foi aprovada na Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado. “O objetivo é estabelecer nova regra de acesso a documentos que estão em posse do Estado, acabar com o sigilo eterno permitindo o acesso de qualquer cidadão a qualquer documento. Isso reflete na proposta do projeto de lei de criação da Comissão da Verdade, nº 7376/2010. Segundo ela, a comissão terá acesso aos documentos e às informações em qualquer grau de sigilo que esteja, mas para terceiros, o acesso seria limitado”, explica Gilney Viana, coordenador Geral do Projeto “Direito à Memória e à Verdade” da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
A criação da Comissão da Verdade é um projeto de lei que “atualmente está na ‘geladeira’ da Câmara dos Deputados. A tramitação ainda não começou. Há propostas para se criar uma Comissão Especial. O bom é que a lei é aprovada mais rápido. O ruim é que é pouco discutida”, explica Gilney. Segundo ele, a Comissão estuda se organizar em 6 meses e pesquisar por 2 anos a fim de criar um relatório com os fatos históricos da época ditatorial.
Direito à Memória
Segundo pesquisadores, todo cidadão tem direitos e entre eles há o Direito à Memória e à Verdade. Este só será concedido quando a sociedade tiver acesso aos dados públicos. “É um direito humano. Memória e verdade são elementos da identidade de um povo. Negar isso é o mesmo que negar dizer a uma criança quem é a mãe. Identidade passa por memória, por passado. Então, negar a memória é o mesmo que criar uma identidade falsa, uma personagem. O Brasil não pode ser personagem”, afirma o presidente do Observatório em Direitos Humanos da Unesp, Clodoaldo Meneguello Cardoso.
É costume que depois de um período ditatorial de exceção, se construa uma “justiça de transição” com o objetivo de estabelecer o julgamento dos crimes do momento passado e também de promover uma conciliação nacional para o país continuar unido. “Há um equilíbrio delicado entre justiça e conciliação. Cada país faz um esforço para atingir o equilíbrio. No Brasil não houve isso. Houve conciliação, mas não houve justiça”, afirma Clodoaldo.
Em 1979, o então presidente João Figueiredo promulgou a Lei da Anistia que concede perdão aos crimes cometidos na ditadura militar. Clodoaldo reitera sua posição, “o governo retarda a aprovação de uma comissão de justiça e verdade para não causar uma ruptura no avanço do que é possível no país, por segurança nacional, mas isso não faz sentido, o crime da tortura é imprescritível”.
Vários são os grupos que lutam a favor de justiça a partir da transparência pública, da abertura de documentos. Um deles é o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas coordenado pela Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. “Temos estimulado a sociedade e os representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a compreenderem a importância de que sejam estabelecidos mecanismos para a efetivação do Direito de Acesso (à Informação) em nosso país. Respeitamos os processos de tramitação legislativa, mas esperamos que a lei seja aprovada o quanto antes colaborando para que tenhamos cada vez mais transparência e prestação de contas dos recursos públicos e dos documentos que compõem a nossa história. Infelizmente, não foi possível a aprovação e a sanção da lei em 3 de maio, contudo muito possivelmente no mês de celebração da liberdade de expressão teremos condições de a norma entrar em vigor”, espera Fernando Paulino, professor e coordenador do Fórum.
A Comissão da Verdade, a ser criada, é uma comissão de verificação, não tem, por princípio, a intenção de julgar e condenar alguém, não é uma Comissão da Justiça. “Mas mesmo assim com a verdade a tona cria-se um mal estar. Isso se reflete na forma como o Legislativo acelera a não votação do projeto. O Legislativo é uma caixa de ressonância – os deputados agem conforme suas bases e instituições próximas. Tem representantes direta e indiretamente no Congresso. Há muitos setores comprometidos, até políticos atuais, até o presidente do Senado (José Sarney) fez parte. É muito difícil pra quem fez parte poder assumir uma postura honrosa e ousada”, declara Antônio Folquito Verona, doutor em História e organizador do Fórum Regional de Educação Popular do Oeste Paulista (FREPOP).
Se aprovada a Lei de Direito de Acesso à Informação, a Comissão da Verdade tem motivo para existir e atuar. “O fato de a verdade ir à tona significa poder trazer uma série de ações e conseqüências, ninguém efetivamente sabe o que vai acontecer. Certamente algo ocorrerá. Ou a sociedade ficará atônita, ou vai se justificar ou vai reagir tomando posições, buscando justiça. Os militares eram o Estado na época. Quem tem que responder é o Estado. Ele que sumiu com os corpos”, completa Folquito.
Um clique pelo direito: Quem luta pelo Direito de acesso à informação?
Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – defende a criação de uma lei de Direito de acesso à informação pública. Esse objetivo existe desde sua criação em 2002. (http://www.abraji.org.br)
Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas– com coordenação da Abraji, o Fórum reúne 25 entidades da sociedade civil que lutam para garantir esse direito. (www.informacaopublica.org.br)
Acesso Livre – Site que visa acelerar o processo de aprovação do Projeto de Lei 41 de 2010 que dá à sociedade, acesso à informação pública. (www.livreacesso.org)
Transparência Hacker – Espaço para que os indivíduos interessados no assunto, articulem ideias que utilizem a tecnologia como meio de facilitar os projetos propostos. Dão valor a dados governamentais para gerar discussão sobre as atuações do governo. Questionam o não direito de acesso à informação. (http://thacker.com.br)
Memórias Reveladas – O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil foi criado no governo Lula e incluido no arquivo nacional. Tem por objetivo reunir dados e depoimentos que marcam o período ditatorial do país. Concentra acervos dos extintos Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de Investigações e Serviço Nacional de Informações que estavam na Agência Brasileira de inteligência, a Abin. (http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br)
DHnet Memória – Inclusa no portão de Direitos Humanos Online, a Sessão de Memória traz arquivos dos anos de chumbo e relaciona os acontecimentos aos Direitos Humanos. (http://www.dhnet.org.br/memoria)
Movimento Tortura Nunca Mais/SP – Grupo que informa e apoia manifestações contra os crimes ocorridos entre 1964 e 1985, e defende os Direitos Humanos. Surgiu com a união de familiares de desaparecidos, mortos e torturados políticos da época. (http://www.torturanuncamais-sp.org)
(*) Laís Bellini é estudante de jornalismo na Unesp. Foto: Diogo Zambello.