Luis Branco: O homem do lixo

A queda de Murdoch é uma boa notícia para a liberdade de imprensa e para a democracia, independentemente do terramoto político que venha ainda a provocar.

por Luís Branco, no Esquerda.Net

O caso das escutas ilegais em Inglaterra parece dar início à queda de Rupert Murdoch, o magnata da News International. Este grupo de comunicação dispôs de uma autêntica rede de espionagem sobre políticos, celebridades e não só: os investigadores deste escândalo confirmam 4000 pessoas na lista de alvos de vigilância do detective privado suspeito de violar os “voice mails” dos telemóveis.

O News of the World, tablóide campeão de vendas ao domingo, pagou durante anos a agentes e responsáveis policiais para obter informações confidenciais sobre gente poderosa, entre eles alguns adversários do grupo. A violação dos “voice mails” foi denunciada primeiro pelo príncipe William e a investigação que condenou um editor e um detective privado apontava para a existência de apenas mais oito pessoas escutadas da mesma forma. O responsável pela investigação foi Andy Hayman, o oficial de polícia que liderou o contraterrorismo em Inglaterra entre 2005 e 2007, altura em que foi obrigado a demitir-se sob suspeita de fazer despesas sumptuárias. Foi então contratado como colunista dos jornais do grupo News International…

Os tablóides ingleses de Murdoch lucraram quase 100 milhões de euros em 2010, um dos anos mais complicados para os grupos de imprensa. A ambição do magnata era comprar a totalidade da cadeia televisiva BSkyB e aumentar ainda mais a influência que já tem sobre a política do país: Andy Coulson, o editor do News of the World que saiu na sequência das condenações das escutas em 2007, tornou-se em seguida director de comunicação dos Conservadores. Com a eleição de David Cameron no ano passado, Coulson foi para Downing Street dirigir a comunicação do primeiro-ministro e ganhar o salário mais alto de todos os assessores do governo… até se ter demitido de novo em Janeiro, pelo avolumar das suspeitas sobre o seu papel encorajador do uso das escutas para produzir manchetes.

Nos Estados Unidos, Murdoch detém a licença de 27 canais, entre eles a Fox News, defensora da guerra do Iraque e da administração Bush e por onde já passaram como comentadores os principais candidatos republicanos às próximas presidenciais. Mas se se provarem as suspeitas de que o grupo usou o mesmo método para escutar os “voice mails” de vítimas do atentado de 2001 nas Torres Gémeas, dificilmente encontrará quem o defenda, mesmo entre a direita que recebe generosos contributos financeiros do magnata.

Neste escândalo que vitimou o maior jornal de escândalos, as ligações perigosas entre os media, a política e a polícia compoem uma teia de favores e chantagens que provavelmente nunca será conhecida. Muita da informação privada recolhida não foi publicada, mas poucos crêem que não terá sido usada para servir os propósitos do todo-poderoso grupo mediático agora caído em desgraça. Até a primeira comissão de inquérito ao escândalo optou por não convocar Rebecca Brooks, a ex-editora e agora administradora do grupo que se transformou na vilã deste caso: despediu 200 jornalistas que nada tinham a ver com todos estes crimes, anunciando ao mesmo tempo que não se demite do cargo que detém na empresa. Ao que parece, os membros da comissão de inquérito tiveram receio das represálias do grupo e optaram por não arriscar ver alguma parte menos favorável das suas vidas expostas no Sun ou News of the World.

A queda de Murdoch é uma boa notícia para a liberdade de imprensa e para a democracia, independentemente do terramoto político que venha ainda a provocar. E é animador saber que no fim da história acaba por ser o jornalismo que está de parabéns: foi na redacção do Guardian, indiferente aos recuos na Justiça, que avançou a investigação para saber a verdade por detrás das escutas, ao ponto da Justiça não poder agora ignorá-la. A petição que corre em Inglaterra para que os políticos assumam as suas responsabilidades – e promovam um inquérito público que vá até às últimas consequências em vez de tentarem abafar a extensão da teia montada – diz-nos que a sociedade está vigilante em defesa da informação contra a manipulação. É sempre boa altura para limpar o lixo…

PS do Viomundo: O português deste post é o de Portugal.