PRECISAMOS CONVERSAR AINDA MAIS

Texto postado originalmente no Pimenta.



Karoline Vital | karolinevital@gmail.com


Fico feliz que o moço que foi citado como exemplo seja tão amado a tal ponto de várias pessoas não se conterem em se levantar em sua defesa. Isso demonstra que ele é importante e precioso para muita gente.

Eu tenho uma filha de seis anos que é do espectro autista. E, diariamente, tento ensiná-la a não abordar pessoas tocando nelas, porque é um modo de invasão de privacidade. Cada um tem o direito sobre seu corpo e ninguém pode ser tocado quando não permite. Ensino que ela só deve ter contato físico com quem ela já conhece, ou seja, o toque e a brincadeira só devem acontecer com quem já se tem intimidade.

Quando escrevi o texto sobre a necessidade de conversarmos com nossos meninos sobre cultura de gênero, assédio e estupro, tomei como exemplo para ilustrar a delicadeza e urgência da abordagem das questões um fato que tinha acontecido comigo há poucas horas. A intenção do meu artigo não foi atacar o rapaz em si ou sua família, mas alertar todos sobre o que está sendo ensinado aos nossos meninos a respeito do tratamento com mulheres.

A indignação que o meu texto gerou em muitas pessoas que o leram, e que conhecem o rapaz intimamente, pode ter sido gerado por ser inadmissível associar a imagem de assediador a uma pessoa carinhosa, criada com zelo, sob a proteção de familiares e amigos e que possui uma condição diferenciada. Mais uma vez reitero que o meu objetivo não foi manchar a imagem do rapaz, mas reprovar a forma que o ensinaram a abordar as mulheres. Com isso não insinuo que a família dele é que o orienta a agir desse jeito, mas que ele também é uma vítima dessa sociedade machista, que obriga os meninos a comprovarem sua masculinidade através do assédio.

Se a intenção do rapaz não foi me ofender, mas demonstrar um carinho, do mesmo modo a minha intenção não foi bestializar ninguém, mas trazer a temática à discussão. Fico feliz que o moço que foi citado como exemplo seja tão amado a tal ponto de várias pessoas não se conterem em se levantar em sua defesa. Isso demonstra que ele é importante e precioso para muita gente. Espero que continuem cuidando dele com ainda mais força do que o ímpeto que cada um foi movido a demonstrar sua ofensa. E, se não concordarem com o meu posicionamento feminista, que prezem então pela integridade dele, já que, como ele tende a abordar desconhecidas, não dá para adivinhar como essas estranhas podem reagir. Talvez não tentem o diálogo como eu tentei e sempre tentarei.

E espero que toda essa mobilização ajude não apenas o rapaz da praça, mas a todos ampliarem seus olhares para verem como nossas mulheres são coisificadas pela sociedade machista. Um machismo que é tão natural, corriqueiro, que passa despercebido, vira brincadeira, piada, mas não deixa de ser machismo. Devemos repensar a maneira como a mulher é tratada como um objeto que não tem direito ao seu corpo. Devemos falar sobre cultura de gênero e também cultura do estupro. Por isso escrevi que precisamos conversar com nossos meninos para que não sejam vistos de maneira negativa por causa de algo evitável. Porque conversando com civilidade, acredito que todos possam se entender.