ISRAEL NUNES ACREDITAVA NO HOMEM

Israel e lideranças indígenas tupinambás.
Israel e lideranças tupinambás.

O editor deste blog, Emílio Gusmão, gravou uma homenagem à memória do amigo Israel Nunes, que faleceu na noite de sexta-feira, 1º. O velório acontece na Maçonaria da Avenida Itabuna, 130, em Ilhéus. O sepultamento será às 16 horas no Cemitério da Vitória. 

Israel delegou uma tarefa difícil a Emílio. Ouça. 

A transcrição do áudio segue abaixo.

Por Emílio Gusmão

O meu amigo Israel Nunes, que faleceu ontem à noite, me incumbiu de uma tarefa muito difícil. Sinto, nesse momento de perda e dor, o peso dessa tarefa que ele me delegou. Israel pediu que eu escrevesse que ele não queria nenhuma manifestação religiosa em seu velório.

Israel era um ateu convicto, não era um religioso e não acreditava em Deus, mas, fazia isso respeitando as opções de cada um. Não fazia isso de maneira ofensiva, de forma alguma. Era uma opção dele, para ele, e gostava que os amigos respeitassem essa posição.

Nesse momento, que sofremos a perda de Israel, esqueçamos Deus. Não digo isso para causar choque, muito menos polêmica, não é essa a minha intenção. Eu, que sou um homem de tantas polêmicas, afirmo, com toda sinceridade, que essa não é a minha intenção agora. Quero dizer que esse momento é propício para valorizar o homem, valorizar a vida, valorizar as lutas pelas causas sociais e por uma sociedade igualitária.

Meu amigo Israel era um homem de muitas convicções, era um homem que gostava de ler, que amava a vida acadêmica, o Direito, era um homem extremamente responsável, amava muito a sua família, a esposa.

Israel acreditava em muitas coisas, porém, acreditava em coisas do mundo real. Não era um homem sem utopia, ele sonhava.

Israel entre alunos.
Israel entre alunos.

A melhor forma de homenageá-lo é valorizar o trabalho de um professor, porque Israel era um professor, um grande professor. Sentia-se bem na sala de aula. Gostava de passar o conhecimento, de discutir com os alunos, e amava essa profissão. Por isso, a melhor forma de homenageá-lo é pedir que seus alunos de Direito, da Faculdade de Ilhéus, das outras faculdades e dos cursos preparatórios que ele ministrou, pedir a todos que compareçam ao seu enterro, ao seu velório, que possam fazer a justa homenagem. Com certeza, quem foi aluno de Israel teve essa impressão de como ele amava ministrar aulas, como ele amava o Direito e a busca para resguardar dignidade e cidadania às pessoas.

Israel era um cara de grande generosidade. Não estou falando aqui de qualquer manifestação cristã, de caridade “à imagem e à semelhança de Deus”, não, não estou falando disso. Estou falando de uma pessoa que era bondosa ao extremo, que gostava de ser solidária por acreditar nisso como um valor intrínseco à condição humana. Não por qualquer sentimento religioso. Esqueçam religião nesse momento.

Israel deixou claro para alguns amigos íntimos que não queria manifestações religiosas nesse momento. Não queria ser tratado como anjo. Eu tenho certeza, anjo não. Não falem em céu, não falem em Deus, não falem em espírito, em desencarnação, não falem em nada disso. Falem do homem, da condição humana. Valorizem sobretudo a vida, a vida do dia-a-dia, o caminhar, o passo-a-passo, a vida difícil, a vida de momentos felizes, o viajante que queria conhecer o mundo, que gostava das ciências, o homem que tinha vocação política.

Israel em evento do PC do B.
Israel em evento do PC do B.

Querem homenagear Israel? Tratem com carinho o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ao verem o caixão de Israel coberto por uma bandeira do Partido Comunista do Brasil, valorizem isso, respeitem a história do PC do B, os mártires, as figuras históricas do partido que deram a vida por uma luta política, pela redemocratização, pela busca de uma sociedade igualitária, valorizem isso. Essa é uma boa forma de homenagear Israel.

Israel e Stella.
Israel e Stella.

Confortem a esposa dele, Stella, Doutora Stella que ele tanto amava. Confortem a família, o pai, Manuel, que nesse momento sente a dor, a profunda dor de ter perdido seu primogênito.

Valorizem o bom humor, a piada, a sacanagem que não é ofensiva, a literatura. Leiam Shakespeare, porque Israel estava lendo Shakespeare. Leiam poemas satíricos. Israel se deliciava com poemas satíricos, gostava de Gregório de Matos.

Valorizem a boa gastronomia, uma calabresa com cebola (que Israel tanto gostava), o abará, a coca-cola. Valorizem as coisas triviais da vida, porque Israel era um homem que valorizava isso, o bem-estar.

Querem homenagear Israel? Tratem bem os seus amigos. Ajude o seu amigo, porque Israel era uma pessoa que gostava de ajudar os amigos, que valorizava as amizades.

Tivemos noites agradáveis no "Fredesko", ao de Carlos Pereira, José Henrique Abobreira e outros amigos.
Tivemos noites agradáveis no “Fredesko”, ao de Carlos Pereira, José Henrique Abobreira e outros amigos.

Querem homenagear Israel? Sejam tão discretos quanto ele. Era um homem de profunda discrição, não gostava de expor sua vida particular. Respeitava profundamente a esposa, o pai e todos seus familiares. Gostava muito dos irmãos. Passava a impressão que se comportava muito mais como um segundo pai dos irmãos, do que como irmão mesmo.

Israel nunca procurou conforto em Deus. Nos momentos mais difíceis, procurava outras alternativas para diminuir o seu sofrimento. Chegou a estudar eletrônica, a praticar tiro ao alvo. Israel gostava de comunicação, valorizava as redes sociais.

Se você quer homenagear Israel, valorize a vida, o cotidiano, o sarapatel e o mundo dos acontecimentos. Esqueça a fé, esqueça qualquer tipo de concepção ou ideia de céu, de divindade. Respeitem isso, não encarem como uma ofensa, encarem como uma opção. Valorize a liberdade. Valorize o direito que o homem tem de se manifestar livremente, com desapego. Valorize a ideia do homem sem fé, mas, que nunca deixou de acreditar no homem, que nunca deixou de olhar e de lutar pelo seu semelhante. Valorize o sofrimento, a difícil condição humana.

Israel em Roma.
Israel em Roma.

Esse é um momento muito difícil, porque morreu um homem que queria viver mais. Israel não queria morrer tão cedo e lutou muito por isso, mas, se não lhe foi possível chegar aos 60, 70 anos, podemos homenageá-lo mantendo viva a sua memória e mantendo vivos determinados valores que ele tanto cultivava.

Se você quer homenagear Israel hoje, respeite os índios tupinambás. Israel defendeu a causa do povo tupinambá não por uma obrigação profissional, ele acreditava na causa dos índios.

Nesse momento, se você quiser homenagear Israel, se distancie dos preconceitos. Israel era um homem sem preconceitos, se alguma vez os manifestou foi em tom de piada, mas, as piadas não devem ser levadas a sério.

Israel era um homem que precisava viver mais, ele queria viver mais, no entanto, isso não foi possível.

Se você quer homenagear Israel, respeite e lute por uma Ilhéus melhor. Numa das últimas conversas que tive com Israel, pelo WhatsApp, disse a ele que para mim, Ilhéus está cada vez pior e expus os motivos que me levavam a pensar dessa forma. Israel pediu que eu mudasse o assunto, porque isso o deprimia ainda mais. Falar da triste condição de Ilhéus o deprimia. Se você quer homenageá-lo, lute por uma Ilhéus melhor.

Não encarem essas observações que faço sobre a triste condição de Ilhéus como uma crítica ao governante atual. Falo da cidade, da crise que ela vive. Israel sabia da crise administrativa, da dificuldade para colocar a cidade no rumo certo, ele sentia isso, mas, eu não quero aqui dizer que ele concordava com críticas minhas a determinado político, não. Ele sentia que a cidade estava muito ruim e lamentava isso.

Infelizmente, Israel partiu, mas, não será esquecido por mim. Eu falo só por mim. Eu devia a Israel favores muito difíceis de explicar. Ele ficava desconfortável quando lhe agradecia. Não gostava que eu falasse sobre o bem que ele me fez numa determinada ocasião.

Para finalizar, se você quer homenagear Israel, esqueça Deus, qualquer imagem ou concepção de Deus, mas, não esqueça o homem, não abandone os valores positivos que são intrínsecos ao homem.

Do Gusmão.