Reportagem mostra que ‘viga mestra’ da tese do STF é falsa e Dirceu reage à condenação

Do Correio do Brasil

Raimundo Pereira, jornalista conhecido pelo rigor com que checa as informações que usa, abre a reportagem a ser publicada na sua Revista do Brasil, edição nº 64, nas bancas a partir do próximo 1º de novembro, com a afirmação de que “não houve o desvio de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão”. E parte para a demonstração dessa afirmação.

A matéria disseca, analisa a fundo, a tese que Raimundo definiu como a “viga mestra” do mensalão. Escreve: “Essencialmente, a tese do mensalão é a de que o petista Henrique Pizzolato teria desviado de um “Fundo de Incentivo Visanet” R$ 73,8 milhões que pertenceriam ao Banco do Brasil. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Valério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público.”

A tese, segundo Raimundo, é falsa. “O desvio dos 73,8 milhões de reais não existe” e “os autos da Ação Penal 470 contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os R$ 73,8 milhões”.

Raimundo não afirma isso por simples boa fé ou por algum interesse em livrar este ou aquele réu: no site da revista ele dá acesso a 108 apensos da Ação Penal 470 com documentos em formato pdf “equivalentes a mais de 20.000 páginas e que foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005 e depois estendido com interrogatórios de pessoas envolvidas e de documentos coletados ao longo de 2006”.

Segundo afirma, a auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia de fato. Encontrou documentos que provaram o contrário. Com base nas conclusões dos auditores, Raimundo afirma que “o uso dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet pelo BB foi feito, sob a gestão do petista Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzolato ao banco. E mais: foi sob a gestão de Pizzolato, em meados de 2004, que as regras para uso e controle dos recursos foram aprimoradas”.

O jornalista diz que, tendo analisado toda a documentação da auditoria, encontrou questionamentos e problemas. “Mas de detalhes. Não é disso que se tratou no julgamento da AP 470 no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer apresentar os 73,8 milhões gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como diz o ministro Ayres Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”.”

Em seguida, Raimundo Pereira classifica a conclusão a que chegou o tribunal de “delírio”. Escreve: “A procuradoria da República e o ministro Barbosa sabem de tudo isso ”. E conclui: “Se não o sabem é porque não quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados”.

Viga mestra é a que sustenta a construção. Se ela é retirada, ou tem algum problema grave, a própria construção não consegue permanecer de pé.

Dirceu reage

Diante da condenação pela maioria do STF, por seis votos a quatro, Dirceu divulgou nota, na noite desta segunda-feira, na qual rebate as argumentações dos magistrados. Leia, a seguir, a íntegra da nota:

Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha

Mais uma vez, a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal em me condenar, agora por formação de quadrilha, mostra total desconsideração às provas contidas nos autos e que atestam minha inocência. Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha.

Assim como ocorreu há duas semanas, repete-se a condenação com base em indícios, uma vez que apenas o corréu Roberto Jefferson sustenta a acusação contra mim em juízo. Todas as suspeitas lançadas à época da CPI dos Correios foram rebatidas de maneira robusta pela defesa, que fez registrar no processo centenas de depoimentos que desmentem as ilações de Jefferson.
Como mostra minha defesa, as reuniões na Casa Civil com representantes de bancos e empresários são compatíveis com a função de ministro e em momento algum, como atestam os testemunhos, foram o fórum para discutir empréstimos. Todos os depoimentos confirmam a legalidade dos encontros e também são uníssonos em comprovar que, até fevereiro de 2004, eu acumulava a função de ministro da articulação política. Portanto, por dever do ofício, me reunia com as lideranças parlamentares e partidárias para discutir exclusivamente temas de importância do governo tanto na Câmara quanto no Senado, além da relação com os estados e municípios.

Sem provas, o que o Ministério Público fez e a maioria do Supremo acatou foi recorrer às atribuições do cargo para me acusar e me condenar como mentor do esquema financeiro. Fui condenado por ser ministro.

Fica provado ainda que nunca tive qualquer relação com o senhor Marcos Valério. As quebras de meus sigilos fiscal, bancário e telefônico apontam que não há qualquer relação com o publicitário.

Teorias e decisões que se curvam à sede por condenações, sem garantir a presunção da inocência ou a análise mais rigorosa das provas produzidas pela defesa, violam o Estado Democrático de Direito.

O que está em jogo são as liberdades e garantias individuais. Temo que as premissas usadas neste julgamento, criando uma nova jurisprudência na Suprema Corte brasileira, sirvam de norte para a condenação de outros réus inocentes país afora. A minha geração, que lutou pela democracia e foi vítima dos tribunais de exceção, especialmente após o Ato Institucional número 5, sabe o valor da luta travada para se erguer os pilares da nossa atual democracia. Condenar sem provas não cabe em uma democracia soberana.

Vou continuar minha luta para provar minha inocência, mas sobretudo para assegurar que garantias tão valiosas ao Estado Democrático de Direito não se percam em nosso país. Os autos falam por si mesmo. Qualquer consulta às suas milhares de páginas, hoje ou amanhã, irá comprovar a inocência que me foi negada neste julgamento.

São Paulo, 22 de outubro de 2012

José Dirceu