A Subjetividade da Perda e a Violência

Dentro da temática da Subjetividade da Perda, abordaremos agora sua relação com a temática violência.
É importante reafirmarmos o reconhecimento da violência como um problema de saúde pública, embora não específico da área da Saúde, visto que é resultado de uma complexa interação de diversos fatores, que podem ser individuais, sociais, econômicos,culturais, dentre outros. Por esta razão, a sua abordagem deve ser interdisciplinar e multidisciplinar apoiada no avanço dos conhecimentos científicos e na superação das desigualdades, no respeito aos direitos humanos, implicando na articulação da segurança, da saúde e do desenvolvimento social, e deve ser enfrentada pelos diversos setores da sociedade e do Estado.
A violência acompanha toda a experiência da humanidade e em suas origens e manifestações é um fenômeno sociohistórico e existencial da raça humana.
Conforme o Ministerio da Saúde (2005) em si, ela não é, uma questão de saúde pública, mas

 “transforma-se em problema para a área, porém, porque afeta a saúde individual e coletiva e exige, para sua prevenção e tratamento, formulação de políticas específicas e organização de práticas e de serviços peculiares ao setor”.
 De acordo a      Organização Pan-Americana da Saúde:
A violência, pelo número de vítimas e pela magnitude de seqüelas orgânicas e emocionais
que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública
em muitos países (...). O setor Saúde constitui a encruzilhada para onde convergem todos os
corolários da violência, pela pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência,
atenção especializada, reabilitação física, psicológica e assistência social (ORGANIZAÇÃO
PANAMERICANA DA SAÚDE, 1994, p. 5).

Analisada como problema social, a presença da violência é lembrada como referencia bíblica que se inicia com uma disputa fratricida e a morte de Abel por Caim (Genesis 4), evidenciando a convivência da sociedade humana com as perenes disputas de poder,sentimentos de ciúme, inveja, ira, com
os ódios e com a vontade de aniquilamento de uns pelos outros.
A OMS revela em seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde ” (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2002, p.3) que “todo ano, mais de um
milhão de pessoas perdem a vida e muitas outras sofrem lesões não fatais
por causas violentas.
 Conceituando violência

De acordo com meus estudos, pesquisas e vivencia como neuropsicólogo, psicólogo e teólogo conceituo violência como: ato ou efeito de danos, cujas marcas proporcionam a subjetividade da perda, causam impacto emocional, gerando sentimento de dor, ira, medo, tristeza, angustia, crise existencial; e fenômeno de transgressão e violação que exprime a essência do mal.
Conforme o Ministério da Saúde em sua publicação Impacto da Violencia(Ministerio da Saúde 2005) a violência é um fenômeno de causalidade complexa, sendo que esta não é uma, é múltipla.
A palavra violência é de origem latina, o vocábulo vem da palavra vis que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. Sob uma visão simples o termo parece neutro, até mesmo esvaziado de sentido, mas quem analisa os eventos violentos descobre que eles se referem a conflitos de autoridade, a lutas pelo poder e a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens. E suas manifestações são muitas vezes aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas segundo normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos legais da sociedade, como no caso da violência contra a criança em forma de surras e castigos ou atos de ditaduras de sistemas de governos. Como ente em constante mutação, a violência designa, pois – de acordo com épocas, locais e circunstâncias – realidades muito diferentes. Há violências toleradas e há violências condenadas.

“... Mas, a própria violência é que se apresenta como um fenômeno pulverizado,
atingindo a vida privada e a vida pública em todos os seus aspectos, os mais visíveis e
os mais secretos” (CHESNAIS, 1981, p. 11).

A violência não pode ser vista por uma optica em que sua  noção venha enquadrada  numa definição fixa e simples é expor-se a reduzi-la, a compreender mal sua evolução e sua especificidade histórica. Pois Domenach, introduzindo os registros de um seminário da Unesco sobre o mesmo tema, em 1981 diz:

“Suas formas mais atrozes e mais condenáveis geralmente ocultam outras situações menos
escandalosas, por se encontrarem prolongadas no tempo e protegidas por ideologias ou instituições
de aparência respeitável. A violência de indivíduos e grupos tem que ser correlacionada
com a do Estado. A dos conflitos, com a da ordem (Domenach, 1981, p. 40).

A complexidade para conceituar a violência vem do fato dela ser um fenômeno da ordem do experenciado e cujas manifestações causam ou são causadas por uma grande gama de carga emocional de quem a comete, de quem a sofre e de quem a presencia. Seu impacto tem como consequência mudanças no comportamento dos atores (sujeito agente e paciente) envolvidos no processo.  Por esta razão, para entender a sua dinâmica na realidade social brasileira é importante compreender de que maneira a sociedade vê o tema, buscando o ponto de vista do senso comum e acadêmico. Os eventos violentos sempre passam pelo julgamento moral da sociedade.
O senso comum vê a violência como crime, corrupção ou pecado. A violência dominante
na consciência contemporânea é a criminal e delinqüencial. O fenômeno deste tipo de  violência
nunca teve a tolerância social, uma vez que ele fere, antes de tudo, a moral fundamental
de todas as culturas que pode ser traduzido como preservação da vida, das convenções sociais e da segurança da propriedade privada.

Chesnais (1981) distingue no imaginário social atual, três definições de violências que contemplam tanto o âmbito individual quanto o coletivo: no centro de tudo, a violência física, que atinge diretamente
a integridade corporal e que pode ser traduzida nos homicídios, agressões, violações,
roubos à mão armada; a violência econômica que consiste no desrespeito e apropriação,
contra a vontade dos donos ou de forma agressiva, de algo de sua propriedade e de seus
bens. Em terceiro lugar, a violência moral e simbólica, aquela que trata da dominação
cultural, ofendendo a dignidade e desrespeitando os direitos do outro.”(Ministerio da Saúde, 2005)


Filósofos e cientistas também têm contribuído para a reflexão deste temática. Domenach (1981), um dos grandes pensadores sobre o tema, sublinha a idéia de que a violência está inscrita e arraigada
não só nas relações sociais, mas principalmente, é construída no interior das consciências
e das subjetividades. Por isto, esse fenômeno não pode ser tratado somente como uma força exterior aos indivíduos e aos grupos. Ao contrario, sua visão se projeta na direção inversa ao senso comum que costuma colocá-la como um fenômeno sempre produzido pelo “outro”:

“É demasiado fácil e ineficaz condenar a violência como um fenômeno exterior, e inclusive,
como algo estranho ao ser humano, quando, na verdade ela o acompanha, incessantemente,
até na articulação de seu discurso e na afirmação mesma da evidência racional” (DOMENACH,
1981, p. 37).
Sobre as dificuldades de definições e de julgamento de valor o mesmo autor afirma:

estou convencido de que é inútil buscar uma resposta categórica na filosofia ou na
moral, ao problema que a violência levanta. Por seu aspecto ontológico, ela não pode
ser dissociada da condição humana” (DOMENACH, 1981, p. 38).

Domenach reforça a idéia de que, sobretudo, ela não pode ser analisada nem tratada fora da sociedade que a produz em sua especificidade interna e em sua particularidade histórica.
Daí termos a visão que esta também deve ser analisada dentro da óptica da psicologia e da neuropsicologia, aquela dentro do ponto de vista social e individual. No aspecto neuropsicológico, psicológico do indivíduo podemos analisar da seguinte forma: as afasias (lesões no cérebro) podem influenciar e modificar o comportamento do sujeito.







Para saber mais:



Referências:
DOMENACH, J. M., 1981 La violencia In: La Violencia y sus Causas, (A . Joxe, org.) pp. 33-45, Paris: UNESCO.
Ministerio da Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasilia. 2005.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação estatística internacional
de doenças e problemas relacionados à saúde. 10. rev. São Paulo: EDUSP, 1996. v. 1.