O estremecer dos amantes


Desde quando a presidenta Dilma sancionou a lei que criou a comissão da verdade, que deve apurar os fatos ocorridos durante a ditadura militar, tenho refletido sobre o estremecer dos amantes.

O estremecer dos amantes da liberdade, diante da audácia nojenta e desprezível dos amantes da escuridão era sentido nas ruas diante do horror e da perplexidade da esmagadora maioria. A insanidade dos atos institucionais assinados por castelo Branco, e a palpitação nos corações violentamente atingidos pelo radicalismo perpetuado representam um desabrigo ao entendimento e a construção de uma arquivologia esclarecedora, um desafio histórico envolto em sentimentos que entorpecem a compreensão.

No cenário ditatorial onde a verdade é utopia, a agonia da ultima noite de Clarice e vlado, amantes da vida, da liberdade e da nobre e incontestável admiração que nutriam um pelo outro era, impiedosamente, o preceder de uma tragédia.

O bailado nefasto da festiva elite entusiasta que cercava Médici contrastava com a disartria dos inteligentes que, arquejantes, aguardavam em fétidas celas ou na cadeira do dragão o chacinar, vergonha do ciclo militar.

Apaixonadamente, com lábios a estremecer, o casal de amantes a beiradear o rio que, na atualidade, espelha a lua, consolida, com milhões de brasileiros, a construção de uma história democrática.

Chico Andrade é Geógrafo, professor, escritor e cientista político.