Sobre as marchas

Demonstra amplitude em seu horizonte intelectual qualquer ser humano que decide, a qualquer tempo, questionar a si mesmo ou a sociedade na qual está inserido. Diante de tal contexto, é tão natural quanto inteligente que, recorrendo á ética, a ontologia e a epistemologia, os três principais ramos da Filosofia, se busque ampliar a compreensão da realidade em que vivemos. Nesse sentido, as disparidades econômicas e sociais, quando somadas às diversas e fantasmagóricas denuncias de corrupção que proliferam em diversas partes do globalizado mundo atual, parecem dar o tom das inquietações do povo que, diante da multiplicação dos absurdos, parece ter resolvido edificar uma nova ordem mundial.

Com a história retomando o seu curso, a volta das revoluções está simbolizada através das marchas que tem ocorrido em todo o planeta. A marcha da corrupção que ocorreu em Ilhéus não foi uma ação triunfante do cidadão Correia, mas um triunfo coletivo da sociedade, que explicitou sua indignação através de uma marcha que, a despeito da quantidade de integrantes, serviu para demonstrar o sentimento da sociedade em relação a inoperância de uma administração que quer contratar adestradores de cães para trabalhar em locais em que o serviço de adestramento seria algo tão ilógico quanto imoral. Muito aquém das expectativas da sociedade ilheense, a atual gestão, além de protagonizar cenas desprezíveis de desrespeito pelo povo que a elegeu,chega a ser misteriosa. A frase exibida na marcha que dizia “ A prefeitura fecha postos de saúde e abre cemitério” , é um mistério. A que cemitério os manifestantes se referiam? Quem será enterrado no cemitério em questão? Talvez seja o atual governo, caracterizado por sua ampla impopularidade. O vereador Bel do Vilela, reforçando os questionamentos a respeito dos mistérios de Ilhéus, afirmou hoje que muitos querem ser iguais a vidente mãe Dinah, e desejam prever o futuro, adivinhando quem se elege e quem sairá derrotado nas próximas eleições. Infelizmente, creio que já não é preciso ser vidente para prever o futuro do nobre vereador. Com o crescimento da popularidade do vereador Tarcisio no Vilela, é pouco provável que Bel possa lograr êxito em sua tentativa de reeleição. E por falar em vereadores, ouvi Rafael Benevides falar hoje sobre uma quadrilha durante a marcha. Por um momento, pensei que fosse uma quadrilha de são João que ia se preparar para o são João de 2012, e só depois entendi que se tratava de uma quadrilha de bandidos que, segundo Rafael Benevides, que tem se destacado em sua luta contra a corrupção em Ilhéus, se instalou na prefeitura. Como podemos perceber, os mistérios permanecem em Ilhéus. Quem são os integrantes da quadrilha?
Outra frase interessante que se destacou na manifestação foi a que dizia que Bahia é caso de polícia e receita Federal. Eis aí outro mistério, pois várias pessoas em Ilhéus possuem o sobrenome Bahia. A quem os manifestantes se referiam? Obviamente, seria tolice tentar estabelecer comparações entre os manifestantes da praça Tahir, situada na capital egípcia, e a praça JJ SEABRA. Após vivenciar a histórica administração de Gamal Abdel Nasser, e a desastrosa ditadura, em tempos recentes, de Hosni Mubarak, a população egípcia nos serve de consolo, uma vez que, por mais inoperante e fantasmagórica que seja, a atual gestão do município não supera em atrocidades e repressão as nefastas administrações do Egito. O fato em questão se refletiu na forma ordeira e pacifica como ocorreu a marcha Ilheense.
Marchando em todo o planeta, a população se revolta contra a crise econômica européia, o mercado financeiro dos EUA que especula e desprestigia a produção, as ditaduras da África e do oriente médio, e, logicamente, contra a corrupção na porção latina do continente americano. Em Ilhéus, assim como em diversas outras localidades mundo afora, a sociedade permanece marchando para mudar o rumo dos acontecimentos e adquirir respostas para seus inúmeros questionamentos. A esmagadora maioria das pessoas parece querer dar inicio a uma nova era. Uma era em que pensar nos outros seja tão importante quanto pensar em si mesmo.
Chico Andrade é Geógrafo, professor, escritor e cientista político.