“Não pode impunemente um meio de comunicação vender a sua verdade a favor de interesses duvidosos, e em prejuízo da saúde pública”
A edição do último dia 7 de setembro da revista Veja não deve ser vista. Ou melhor, não deve ser lida: faz mal à saúde.
Pelo próprio histórico da publicação, Veja deve ser lida com os dois pés atrás, sempre com desconfiança. Além de fazer mal à saúde mental, pode também fazer mal à saúde física.
Na capa da referida edição, há uma chamada “Parece Milagre”, e duas fotos que ilustrariam o “antes” e o “depois” de se consumir determinada droga. De um lado, uma elegante e bonita “gordinha”. De outro, uma também bonita e elegante mulher, não mais com sobrepeso, mas já no que seria o corpo ideal. Ambas aparecem escoradas numa seringa. É o lobby da Veja a favor de uma droga?
“Parece Milagre” é a chamada para uma reportagem de sete páginas tecendo loas a uma droga (medicamento) recém-lançada para o tratamento da diabetes. O nome da droga é Victoza. “Um remédio recém-lançado para o tratamento do diabetes revela-se grande arma na luta contra o excesso de peso também para pessoas sem a doença. Além de fazer emagrecer, ele oferece brandos e passageiros efeitos colaterais”, prega a revista.
Diante da matéria da (lobista?) Veja, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) foi obrigada a emitir um desmentido. A Anvisa, em nota, “esclarece que o Victoza é um produto “biológico”. Ou seja, trata-se de uma molécula de alta complexidade, de uso injetável, contendo a substância liraglutida”. O Victoza foi aprovado pela Anvisa, em março de 2010, com a única “finalidade de uso específico no tratamento de diabetes tipo 2. Portanto, seu uso não é indicado para emagrecimento”.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a diabete “tipo 2 possui um fator hereditário maior do que no tipo 1. Além disso, há uma grande relação com a obesidade e o sedentarismo. Estima-se que 60% a 90% dos portadores da doença sejam obesos. [...] O diabetes tipo 2 é cerca de 8 a 10 vezes mais comum que o tipo 1 e pode responder ao tratamento com dieta e exercício físico. Outras vezes vai necessitar de medicamentos orais e, por fim, a combinação destes com a insulina”. Quando é necessária a combinação, o Victoza pode ser uma droga de eleição.
Por ser um medicamento novo, a Anvisa adverte que o medicamento terá um acompanhamento de uso durante os primeiros cinco anos de comercialização. E, como todo medicamento, o Victoza apresenta efeitos adversos, que são hipoglicemia, dor de cabeça, náusea e diarréia. Além destes, há outros riscos (maiores), como “pancreatite, desidratação e alteração da função renal e distúrbios da tireóide, como nódulos e casos de urticária”.
Por fim, a Anvisa sentencia: “A única indicação aprovada atualmente para o medicamento é como agente antidiabético. [...] Não foram apresentados à Anvisa estudos que comprovem qualquer grau de eficácia ou segurança do uso do produto Victoza para redução de peso e tratamento da obesidade”.
A Associação para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), por sua vez, afirma em nota que o Victoza “não deve ser prescrito para o tratamento de obesidade em pacientes não diabéticos (uso off- label)”. E conclui: “Achamos, no mínimo, temerária a propaganda do uso indiscriminado deste medicamento para emagrecer. [...] Temos que ter um pouco mais de paciência e de bom senso”.
A SBD também se manifestou sobre a matéria de Veja. “O fator mais importante é que esta medicação foi lançada para tratamento de Diabetes tipo 2, associada à mudança de estilo de vida, e não para tratamento de obesidade”.
A entidade observa que “este padrão de matéria cria vários problemas”. E cita exemplos de tais problemas: “Estimula uma fantasia na cabeça do paciente que existe uma medicação milagrosa que faz emagrecer rápido, inclusive desestimulando adequados hábitos alimentares e de exercício físico; o paciente procura o médico apenas para querer a prescrição, não valorizando inclusive doenças concomitantes associadas ao excesso de peso; estamos vendo uma repetição do que foi feito no passado com outras drogas que ofereceram uma mágica, obtiveram uma imensa venda no início e com o tempo foram retiradas do mercado, ou praticamente não são mais prescritas; portanto, a Liraglutida não está indicada no momento para uso em obesos não diabéticos”.
“A Sociedade Brasileira de Diabetes condena propagandas como esta, com um alto grau de sensacionalismo, aproveitando populações portadoras de problemas de saúde que podem levar a baixa estima, e por serem ávidos de soluções, se transformam num público fácil de serem persuadidos”, conclui a nota. Ou seja, são pressas fáceis.
No 4º Congresso do PT, foi aprovada a moção intitulada “PT: Compromisso com uma agenda estratégica para as comunicações no Brasil”. Houve uma grita geral contra o partido, mas mais uma vez a revista Veja e seu antijornalismo comprovam a necessidade de um marco regulatório para o setor. Não pode impunemente um meio de comunicação vender a sua verdade a favor de interesses duvidosos, e em prejuízo da saúde pública.
“O que Veja deixou claro, com essa matéria [“Parece Milagre”], é que a responsabilidade da imprensa com seus leitores nem sempre vem em primeiro lugar. A vontade de causar impacto (ou talvez de atender os interesses de seus anunciantes) às vezes fala mais alto”, afirma a jornalista Ligia Martins de Almeida no Observatório da Imprensa.FONTE;CONGRESSO EM FOCO