O esporte não é para amadores



O ministro pode cair, mas o feudo continua. E bola pra frente. Foto: Alexandre Machado
Primeiro foi um policial. Militar. Agora, um pastor. Ambos tentam alvejar o ministro do Esporte, Orlando Silva, ao detalharem um exemplo de “toma lá, dá cá” que a apresentadora Patrícia Poeta não soube citar em sua já histórica entrevista com a presidenta Dilma Rousseff. O desenho é simples: com a benção do governo petista, que transformou o Ministério do Esporte em feudo do PCdoB, lideranças do partido comunista usam a pasta para liberar recursos a supostos projetos sociais de entidades que, em troca, pagam pedágio para supostamente financiar a legenda. O ciclo se fecha, como tantos outros recentemente expostos.
À frente das negociações entre governo e a Fifa, entidade máxima do futebol, para os projetos da Copa do Mundo, Orlando Silva jura inocência, mas sabe que sai enfraquecido do episódio. Publicamente, a presidenta fala em presunção da inocência, mas nos bastidores tudo leva a crer que, em tempos atuais, basta mudar tudo para que tudo permaneça como está – com o perdão a Tomasi di Lampedusa, o primeiro a dar a receita. Em outras palavras: o ministro pode cair, mas o feudo continua. E bola pra frente.
Até aqui, nada parece anormal – inclusive a periodicidade de escândalos, fritura e quedas de ministro que têm marcado os dez primeiros meses do governo Dilma. Se cair, Orlando Silva será só (sic) o sexto ministro alvejado, o quinto por suspeita de corrupção. Mas algo parece didático no recente episódio. Quem deu a cara desta vez, jurando ter prova contra tudo e contra todos, não são adversários de dentro da estrutura, mas quem durante anos se beneficiou dela (embora poucos duvidem do quanto membros da Fifa, do governo e até o antecessor, o ex-comunista e hoje petista Agnelo Queiróz, sintam apreço pela fritura em público do atual ministro).
Dessa vez, uma coisa ao menos chama, ou deveria chamar, a atenção: em meio a um escândalo maior (um partido supostamente agindo em benefício próprio dentro do próprio governo), alguém se perguntou que diabos um pastor e um policial fazem com tanto recurso público na mão? O comando ao qual responde o PM João Dias Ferreira sabia das atividades extra-farda de seu subordinado? E os fieis da Igreja Batista Gera Vida Internacional, sabiam que o pastor David Castro batia à porta do governo para colocar dinheiro onde bem entendesse?

O policial militar, João Dias Ferreira, autor das denúncias sobre um suposto esquema de desvio de verbas do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, fala com a imprensa, após depor na Polícia Federal. Foto: Agência Brasil
Antes que os puristas liguem a patrulha, é sempre bom lembrar que, num País de dimensões continentais, a ação do Estado para amenizar as aberrações de séculos de desigualdade é, mais que justa, necessária. O uso de entidades, por meio de convênios, como braços para se alcançar áreas distantes também é compreensível. Mas de que forma, afinal, as ONGs comandadas por um policial e um pastor ajudariam a combater as disparidades sociais por meio de esportes? Quanto custava a boa vontade deles?
Desde criança, aprendi a admirar quem deixava o conforto do sofá para tentar fazer alguma coisa pela vida de alguém. Lembro de uns vizinhos que, sem pedir um tostão para ninguém, passavam todos os domingos, pela manhã, num abrigo para jovens em situação vulnerável da cidade e os levava para a igreja. Chegavam todos de banho tomado, tímidos, e tomavam conta de uma ala da igreja onde as madames não ousavam chegar perto. Todo fim de semana, os vizinhos levavam os garotos para jogar bola, num sítio cedido por outros amigos. Lá, tocavam música, brincavam, nadavam, corriam, pulavam, se alimentavam, jogavam futebol.

No futebol amador, aprendemos noções gratuitas de solidariedade. Foto: Sefcmpa
Durante anos testemunhei também o esforço de líderes comunitários que montavam equipes de futebol amador. Eram, em geral, pessoas simples, que deixavam a vida em casa para levar, numa perua Kombi capenga, os meninos para os jogos do outro lado da cidade. Contavam com pouco material (alguns coletes, meias, calções, às vezes chuteiras, um campinho de terra batido cedido por prefeitura ou empresa) e muita disposição. A maioria deles vai morrer pobre – porque convênios, para eles, era só o nome de um plano de saúde que, muito provavelmente, jamais puderam firmar. Em todo caso, quem acompanhava a história dos times de várzea da nossa cidade sabe o quanto o futebol chegou na hora certa na vida de muitos daqueles meninos.
Quem praticou esporte alguma vez na vida sabe o quanto se aprende, em campo ou nas pequenas excursões da equipe, noções como solidariedade, coletividade, esforço, desempenho, metas, objetivos, limites, justiça – noções que nem sempre eram reconhecidas em campos similares, como a escola, o bairro, a família. Mas, como o nome diz, era um jogo para amadores. Vai ver é por isso que a conta saía quase de graça, ou do próprio bolso, de quem o promovesse.
No jogo dos parasitas, a regra é outra: falar ao Estado em nome de Deus (ou das crianças) e ameaçar trancar a partida caso demore (ou seja suspenso) o reembolso do primeiro milhão. Assim parece fácil fazer caridade. Mas esporte é outra coisa.fonte;http://www.cartacapital.com.br/