por Marcos Coimbra, em CartaCapital
Existem alguns argumentos relevantes contra a adoção do financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais e muitos a favor. Está chegando a hora de decidir a respeito dele.
É uma das principais ideias em debate no Congresso e entre especialistas em legislação eleitoral, desde quando as discussões sobre a reforma política se intensificaram a partir do início desta legislatura. Foi já aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e está no anteprojeto de reforma elaborado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Entre os grandes partidos, o PT é o defensor número 1. Não só fez parte das resoluções de seu último Encontro Nacional como ganhou o envolvimento pessoal de Lula, que se tornou seu paladino. Em reuniões sucessivas com lideranças do PMDB e dos maiores partidos da base, ele tem procurado formar um consenso para viabilizar a proposta.
Seus adversários costumam usar motivos circunstanciais para justificar a posição, especialmente a antipatia da opinião pública. De fato, as pesquisas mostram que a grande maioria da população discorda da hipótese de que as campanhas sejam financiadas com recursos do Orçamento. As pessoas acham que isso significaria diminuir investimentos em áreas “mais nobres” e não resolveria o problema do caixa 2. Seria um sacrifício inútil.
Esse sentimento tem duas origens. De um lado, como nunca tivemos esse tipo de financiamento, não sabemos como seriam as coisas se existisse. Caso o sistema político o aprovasse, seria necessário mostrar suas vantagens à opinião pública, por meio de campanhas informativas, e torcer para todos se convencerem à medida que o novo modelo confirmasse, na prática, ser melhor do que o atual.
De outro, ele se funda no desconhecimento de que o modelo vigente depende fortemente da contribuição de recursos públicos. Ao contrário do que pensam muitos, o que está em discussão não é sair de um modelo “puro” para outro, mas de um modelo misto, onde recursos públicos e privados são combinados, para torná-lo exclusivamente público.
É difícil calcular quanto a mais os partidos teriam de arrecadar com pessoas físicas e jurídicas, caso não tivéssemos o aporte de recursos públicos às campanhas. O que sabemos é que a principal despesa das campanhas modernas, a compra de tempo de veiculação nos meios de comunicação de massa, é, no Brasil, bancada pela sociedade, na forma do “horário gratuito de propaganda eleitoral”. (Na de Obama, por exemplo, metade de tudo que foi gasto – o equivalente a 1,35 bilhão – destinou-se apenas a isso.)
Os partidos ainda recebem recursos públicos do Fundo Partidário, com o qual pagam o dia a dia e fazem face a custos fixos, indiretamente barateando suas despesas nos períodos eleitorais. A Justiça Eleitoral é encarregada de observar o cumprimento das exigências da legislação a respeito do fundo.
O relevante disso é que a possibilidade de controle é maior quando os recursos são públicos. Enquanto sempre pairam dúvidas sobre quanto e como gastam as campanhas dos que arrecadam entre cidadãos e empresas, as coisas são transparentes na parcela que provém do Orçamento.
No acesso aos meios de comunicação, integralmente financiado com recursos públicos, sabe-se tudo: como é a distribuição do tempo entre os partidos, o que é permitido e o que é proibido, em que penalidades incorre quem descumpre as regras. As decisões da Justiça Eleitoral podem ser discutidas, mas são rápidas, claras e tomadas de acordo com a lei.
Se o financiamento exclusivamente público fosse aprovado, teríamos algo parecido nos demais aspectos das campanhas. Antes das eleições, todos seriam informados de quanto cada partido pode gastar, que parte caberá a cada eleição, quanto será gasto em quê. Não só a Justiça Eleitoral, mas qualquer organização ou pessoa poderá acompanhar e fiscalizar o que tiver sido estabelecido.
Isso resolverá os problemas de arrecadação irregular e corrupção? É claro que não. Mas tem tudo para melhorar a situação de hoje.
O financiamento exclusivamente público tem um mérito adicional no seu efeito equalizador, anulando (no mínimo, reduzindo) a vantagem que partidos e candidatos vinculados às elites econômicas têm em relação aos demais. Isso pode ser criticável do ponto de vista da ortodoxia liberal, mas é benéfico para a consolidação de uma cultura política democrática.
Como acontece com o tempo de televisão e o fundo partidário, as legendas dinâmicas tendem a ganhar mais que as declinantes, pois o acesso a recursos públicos é sempre condicionado ao desempenho: mais para quem tem mais votos, ou seja, mais apoio social. É assim que as coisas funcionam nos países onde há algum tipo de financiamento público.
Deve ser por isso que certas lideranças da oposição e alguns comentaristas da mídia conservadora são tão contra a ideia. Acham que ela só é “boa para o PT”. Na verdade, é boa para todos os partidos, desde que tenham vida partidária real e votos.