Resenha: “Deus em Questão” – Armand Nicholi Jr.

por Eliel Vieira
Os livros de apologética cristã geralmente são criados sobre um mesmo padrão: defesa dos tradicionais argumentos a favor da existência de Deus, refutação (em alguns casos apenas uma camuflagem) das acusações ateístas consideradas mais pertinentes pelo autor e, por fim, quase sempre, uma defesa da visão teísta cristã, enfatizando a particularidade da revelação cristã ante as demais religiões existentes. Este é um esqueleto básico de um livro de apologética cristã. Livros de defesa da fé que sejam elaborados de forma diferente ou que contenham enfoques diferentes deste mencionado acima são raras exceções – exceções que são comemoradas por todos aqueles que têm interesse na controvérsia sobre a existência de Deus! Deus em Questão, escrito por Armand Nicholi Jr., é uma destas boas exceções. O subtítulo da obra – C. S. Lewis e
Freud debatem Deus, amor, sexo e o sentido da vida – indica porque esta é distinta das demais obras apologéticas cristãs. Com uma genialidade incrível, Armand Nicholi nos presenteou com uma obra que mescla ciência dos principais pontos relacionados à controvérsia sobre a existência de Deus e largo conhecimento dos escritos e da biografia tanto de Sigmund Freud quanto de C. S. Lewis. Diferentemente do que o subtítulo da obra possa transparecer, o autor não pretendeu nela simular um debate entre estes dois famosos pensadores do século passado. Você não encontrará simulações de refutações de um ao outro – todas as falas dos pensadores tiveram as fontes indicadas no livro. O objetivo da obra é apontar quais eram as posições e as dúvidas tanto de Freud quanto de Lewis em relação a alguns aspectos cruciais relacionados à controvérsia da existência de Deus. A expectativa sobre como seria um debate entre ambos – bem como sobre quem se sairia melhor neste debate – surge naturalmente conforme caminhamos com a leitura de Deus em Questão. Talvez seja esta a razão do subtítulo mencionar a palavra “debate”. Apesar de ser cristão, contudo, não há por parte do autor qualquer sugestão tendenciosa para o lado de qualquer debatedor durante a exposição dos argumentos deles. Como psiquiatra, cristão e alguém que tem um razoável conhecimento dos escritos e da biografia de Sigmund Freud e de C. S. Lewis, é provável que Armand Nicholi considere proveitosas tanto as teorias psicanalíticas de Freud quanto a apresentação apologética cristã criativa inventada por Lewis. É digno de nota o fato de o autor ter refreado seu impulso cristão evangelizador visando garantir a Deus em Questão uma abordagem mais fiel e imparcial possível das posições de ambos pensadores. A pergunta básica para a qual Armand Nicholi tentou buscar uma resposta em seu livro é, “Se tanto Freud quanto Lewis consideravam a questão da existência de Deus a mais importante da vida, como chegaram a conclusões conflitantes?” (p. 17). Após apresentar no primeiro capitulo uma biografia de cada um dos protagonistas da obra – caminhando da infância à fase adulta, focando alguns pontos relevantes da história de ambos – o autor discorre capítulo após capítulo as posições de cada pensador no que se refere à maior das controvérsias existentes ao ser humano – a questão sobre Deus. O capítulo dois, “O Criador”, traz as posições e dúvidas dos pensadores sobre a existência de Deus; o capítulo três, “Consciência”, discorre sobre o problema da moralidade (se ela é algo que nós criamos, se é um produto sem propósito da Seleção Natural ou se é algo que foi impresso em nós por Deus); “A grande transição”, o quarto capítulo, questiona qual visão de mundo é mais coerente a se tomar, se a teísta ou a ateísta – terminado assim a primeira parte do livro, chamada “Em que acreditar?”. Na segunda parte, chamada “Como viver?”, os capítulos tratam de temas secundários da controvérsia sobre a existência de Deus, como “Felicidade”, “Sexo”, “Amor”, “Dor” e “Morte” – nomes dos capítulos cinco a nove, respectivamente. Como esta resenha é sobre o livro Deus em Questão, não sobre a posição de cada um dos seus protagonistas, não vou cometer o equívoco de expor minhas opiniões sobre os argumentos de Sigmund Freud ou de C. S. Lewis. As opiniões e as conclusões ficam a cargo dos próprios leitores. Contudo, penso ser proveitoso (até mesmo para fomentar a curiosidade de potenciais leitores deste livro), citar nesta resenha algumas curiosidades: I – Freud quase chegou a ser teísta. Quando jovem, ao ouvir os argumentos a favor da existência de Deus proferidos por um dos seus professores de filosofia, chamado Brentano, Freud reconheceu em algumas cartas enviadas a um amigo: “É desnecessário dizer que sou um ateu apenas por necessidade, e sou honesto o suficiente para confessar que sou incapaz de refutar os argumentos dele [Brentano]; entretanto, não tenho nenhuma intenção de me entregar tão rápida ou completamente.” [...] “Por enquanto, parei de ser um materialista e não sou ainda um teísta.” [...] “A parte ruim disso tudo, especialmente para mim, está no fato de que a ciência de todas as coisas parece demandar a existência de Deus.”(p. 26-27) II – É possível que Freud e Lewis tenham de fato se encontrado pessoalmente. Freud afirmou ter recebido a visita de “um jovem professor de Oxford”, não identificado, quando ele imigrou para a Inglaterra para viver em Hampstead, de Junho de 1938 a Setembro de 1939, últimos quinze meses de sua vida. Trata-se apenas de uma curiosa especulação, obviamente. Fato é que tanto Freud quanto Lewis se preocupavam bastante com a controvérsia sobre Deus e escreveram bastante sobre ela. A história de vida dos protagonistas da obra Deus em Questão é bem parecida em vários pontos: ambos eram ateus na juventude e ambos tiveram acesso ao teísmo – Sigmund Freud continuou ateu e C. S. Lewis se tornou cristão – e, por causa desta preocupação que tinham referente à existência de Deus, ambos trouxeram contribuições enormes às questões que ainda hoje são discutidas tanto no nível popular quanto no acadêmico. É fato também que Armand Nicholi nos presenteou com um livro bastante original e muito bem escrito, que foge de todos os esqueletos pré-fabricados de livros de apologética cristã com os quais estamos acostumados a lidar. O único ponto negativo a listar sobre esta obra é que os capítulos são muito longos e não há muitas divisões nos mesmos. Tudo bem! Os capítulos que compõem a obra são grandes porque a quantidade de informação que precisava ser exposta e comentada dentro de cada assunto é enorme. Contudo, penso que não custava ao autor ter separado os capítulos com subtítulos menores. Como são minorias as pessoas que dispõem de horas livres ininterruptas para dedicação à leitura, é provável que ao ler este livro, como eu, você tenha de pausar a leitura no meio de um capítulo para recomeçar depois. Eu particularmente odeio isto, pois quase sempre perdemos o fio da meada quando pegamos o livro novamente para continuar a leitura. Com exceção do detalhe citado acima, apenas elogios. Aplausos à editora Ultimato, não apenas por ter publicado Deus em Questão no Brasil, mas também pela qualidade final da obra: boa diagramação, impressão em capa e papel de qualidade (algo que tem sido deliberadamente negligenciado pelas editoras brasileiras aparentemente no intuito de economizar custos de edição e impressão). E um elogio final, que nunca fiz antes em minhas resenhas, mas que é muito importante e justo: parabéns a Gabriele Greggersen pela tradução da obra – um trabalho fantástico.
Fonte: https://elielvieira.wordpress.com/2010/05/20/resenha-deus-em-questao-armand-nicholi-jr/