Leio, na Carta Maior,o relato feito por André Barrocalsobre as dificuldades enfrentadas pela presidente Dilma Rousseff com sua base de apoio no Congresso. Leio,no Cidadania.com, as opiniões de Eduardo Guimarães sobre como o governo deve enfrentar tais dificuldades.
O dilema é razoavelmente óbvio: como impor a uma fatia da base aliada um padrão de comportamento que a impeça de fazer aquilo que a levou a apoiar o governo; para usar linguagem educada, “desfrutar” das benesses do governismo.
O dilema se aprofunda pelo fato de que a ascensão à classe média de milhões de brasileiros os colocou como atores sociais relevantes. São pessoas que deram um duro imenso para subir na vida, que olham com tremenda desconfiança para as instituições que lhes parecem capturadas por elites gananciosas e corruptas.
A ideia da presidente que usa a vassoura para limpar a área tem um enorme apelo eleitoral, assim como oferece à oposição uma oportunidade de ouro. Por outro lado, enfraquece a presidente com sua própria base de apoio no Congresso, o que é um perigo em um país onde o Congresso é tão poderoso.
A resposta clássica de políticos carismáticos, em tais circunstâncias, é usar o púlpito garantido pelo cargo para falar diretamente aos eleitores, repetindo sempre a mensagem básica.
Ou mudar de assunto.
Isso é fácil de fazer neste momento, já que em breve a crise econômica internacional poderá ter forte impacto sobre a economia brasileira.
Porém, neste campo a mensagem do governo Dilma não é clara. O início de governo foi extremamente conservador e, ainda agora, a opinião pública não foi alertada suficientemente sobre a gravidade da situação internacional, nem sobre o plano do governo para enfrentá-la.
Se os planos existem, não foram comunicados com clareza.
Em 2008, Lula foi claríssimo a respeito da crise, colocando significativo capital político ao bancar a “marolinha”.
No confronto entre a imagem criada por Lula na cabeça do brasileiro — “marolinha” — e os alertas de cataclisma espalhados pela mídia e pela oposição, o eleitor ficou com a clara impressão de que Lula tinha razão.
Por todos os motivos, Dilma Rousseff precisa urgentemente rediscutir a relação com os movimentos sociais que a apoiaram e que se afastaram do governo depois da guinada conservadora.
Isso é essencial por três motivos:
1. Preparar o terreno para um possível agravamento da situação econômica, institucionalizando um espaço para as demandas sociais;
2. Oferecer uma alternativa ao solapamento da base política no Congresso, especialmente se a crise reduzir o poder econômico de barganha do governo diante dos parlamentares (desidratando o toma-lá-dá-cá).
Além disso, em caso de crescimento econômico menos robusto, a ideia de que estamos sendo furtados diariamente e de que é preciso lidar com isso terá mais, não menos apelo popular.
Sem confrontar a base aliada, Dilma deve usar o púlpito para marcar posição nessa questão tão importante. Deve fazê-lo de forma didática, explicando aos eleitores as complexidades da crise e como é importante cuidar ainda melhor do dinheiro público — daí a importância de combater o desperdício e a corrupção.
Mesmo sem considerar o imperativo ético, do ponto-de-vista puramente político a presidente pode se livrar de problemas com a base governista por causa da tal “faxina” em um primeiro momento, para ser derrotada mais tarde, eleitoralmente, pela revolta dos que ascenderam socialmente.
PS do Viomundo:Os discursos de Dilma, pelo menos os que vi, tendem a ser longos e burocráticos, repletos de números. Apelos à razão. A presidente precisa falar mais em valores como os da solidariedade social e colocar o governo como aquele vizinho que nos ajuda na hora do aperto. Isso não só repercute emocionalmente junto aos eleitores — todo mundo tem um vizinho gente boa –, como estabelece uma distinção entre Dilma e os governos da oposição, que oscilam entre mandar bater, privatizar e corroer direitos sociais.
Carlos Azenha é jornalista e editor do siteViomundo.