Dividida, Argentina nos dá exemplos de democracia

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Texto de Hélio Doyle no 247.

Maurício Macri ganhou as eleições na Argentina com uma diferença de menos de 3% dos votos. Menor do que a diferença entre Dilma e Aécio em 2014. Seu partido e aliados, porém, não fizeram maioria no Congresso, e os peronistas derrotados têm maioria no Senado. A Argentina está literalmente dividida. Multidões de verdade foram às ruas em Buenos Aires para se despedir de Cristina Kirchner no último dia de seu mandato e para saudar Macri no dia em que tomou posse. A qualquer observador era possível, apenas olhando as fisionomias, as roupas e o estilo das duas multidões, entender qual é o eleitorado peronista e qual é o eleitorado macrista. Para quem conhece Buenos Aires, Bajo Flores em um dia, Recoleta no outro. Com nuances e sem generalizar, claro.

O clima, nesse ambiente, poderia ser de radicalização e polarização. Mas não é, salvo por alguns fatos menores e pontuais, como a ridícula briga sobre a transmissão do cargo – na qual Cristina e Macri demonstraram intransigência infantil. Os peronistas reconheceram a derrota eleitoral, assim como fizeram os chavistas na Venezuela, e se preparam para ser oposição. Macri e seus aliados não têm adotado posturas sectárias, nem tripudiam sobre seus adversários. Pelo contrário, o novo presidente, identificado como uma “nova direita”, tem procurado mostrar que quer dialogar e se entender com todas as forças políticas e sociais. No primeiro dia de gestão, recebeu os candidatos derrotados na eleição presidencial, inclusive o peronista Daniel Scioli, com quem disputou o segundo turno. No dia seguinte, reuniu-se com os 24 governadores, vários deles peronistas – a primeira reunião desse tipo desde 2002. O primeiro dia de trabalho do ministro da Educação foi marcado por uma longa reunião com os sindicatos de professores.

Macri sabe, como todos os argentinos, que os peronistas não são unidos e que Cristina Kirchner será contestada dentro de seus quadros. A candidatura de Sérgio Massa, o terceiro colocado, já indicou uma fratura no peronismo e Scioli nunca escondeu suas divergências com a então presidente. Se não cair no sectarismo e não reduzir ou acabar com os populares programas sociais das gestões Kirchner, Macri poderá aumentar sua base política e estender a base social a setores que não lhe apoiaram. Se efetivamente combater a corrupção, o que não combina com os denunciados malfeitos cometidos como empresário e como governador de Buenos Aires, poderá criar um contraponto efetivo ao kirchnerismo.

Pode ser que daqui a um tempo, dependendo do desempenho do governo, a oposição radicalize e queira derrubar Macri, como está fazendo a oposição brasileira, aqui com sinais trocados: a presidente Dilma Rousseff, pela esquerda, está sendo atacada violentamente pela direita desde o dia da posse. Ao contrário dos peronistas, a direita brasileira não reconheceu o resultado, chegou até a alegar fraude e tudo faz para inviabilizar o governo e promover sua derrubada, por renúncia, processo judicial ou impeachment.

Os peronistas estão dando aos tucanos e aliados uma lição de respeito à democracia. Macri, sem lotear seu governo, está dando a Dilma uma lição de como fazer de uma vitória eleitoral apertada uma vitória política. Até quando as coisas seguirão assim, não se sabe.
Hélio Doyle é jornalista, foi professor da Universidade de Brasília e secretário da Casa Civil do governo do Distrito Federal