Fico imaginando se o STF, hoje, estivesse julgando a compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. À diferença do que ocorre com o processo do mensalão, quando aquele escândalo estourou havia uma quantidade enorme de provas do ilícito.
Era 1997 e o governo tucano, através do então ministro das Comunicações, Sergio Motta, fora acusado de ter subornado deputados daquele Estado para votar a favor da emenda constitucional que permitiu a FHC disputar a própria sucessão em 1998.
Gravações revelaram como o então deputado João Maia (PFL-AC) vendera seu voto. Flagraram aquele e outros deputados confessando que haviam recebido R$ 200 mil do governo federal e outros R$ 200 mil do governo do Acre. O dinheiro usado na operação, segundo as gravações, teria sido providenciado pelo então governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL), e pelo então ministro das comunicações.
Naquele caso, como em outros vários escândalos de corrupção denunciados durante os dois governos de FHC, havia fartura de provas. Contudo, o poder que o governo federal tinha era imenso e nada foi sequer investigado.
No caso específico da compra de votos, nem uma mísera CPI foi instalada. Imaginem a situação, hoje, se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tivesse elementos como os que havia no caso da compra de votos para a reeleição de FHC.
Hoje, a Procuradoria e o STF “flexibilizam” direitos individuais para condenar, enquanto que, àquela época, o procurador-geral, Geraldo Brindeiro, nem sequer se deu ao trabalho de responder aos questionamentos sobre o que faria diante de uma denúncia daquele quilate.
O PSDB, quando governou o Brasil, tinha um poder imenso: no Congresso Nacional passava como um trator sobre a oposição petista, aprovando tudo o que queria, e impedia CPIs e até reportagens na imprensa. FHC chegou a ser flagrado dizendo, nos grampos do BNDES, que o apoio da imprensa a si era até exagerado.
Não se pode defender que qualquer governo tenha o poder que teve o do PSDB quando governou o Brasil – a maioria das desgraças que se abateram sobre o país entre 1995 e 2002 decorreu justamente da falta de contrapesos democráticos ao poder do Estado.
Todavia, a situação inversa, hoje, tampouco favorece a República. A base de apoio dos governos Lula e Dilma no Congresso foi e continua sendo instável e qualquer denúncia fraca gera CPIs, derruba ministros e, após ser alcançado o objetivo político, desaparece.
Ao contrário do que ocorria quando a direita governava o Brasil, os governos do PT atravessaram os últimos dez anos batendo recordes de popularidade, porém sendo fuzilados pelos outros três Poderes: Legislativo, Judiciário e Imprensa (o quarto Poder).
O resultado está aí: nunca antes na história deste país o Supremo Tribunal Federal condenou políticos tendo, para isso, que “flexibilizar” garantias individuais. A história dessa Corte é, justamente, a de ser a instância onde os processos contra políticos sempre davam em nada.
Alguns dirão que é bom o que está acontecendo porque as condenações no âmbito do processo do mensalão “do PT” intimidarão os políticos e lhes mostrarão que, ao se corromperem, se forem flagrados não haverá impunidade.
É uma balela justamente porque outros processos análogos ao do mensalão e que envolvem os adversários do PT estão recebendo, neste exato momento, tratamento inverso. O mensalão “do PSDB” foi desmembrado e engavetado. Muito anterior ao do PT, não há previsão de ser julgado. Além disso, foi miniaturizado pelo desmembramento.
O que cresce exponencialmente no âmbito do inquérito do mensalão, portanto, é o poder da mídia. A pressão que fez e faz sobre o STF enquadrou praticamente todos os ministros daquela Corte, que aceitaram julgar um caso eminentemente político em pleno processo eleitoral.
O que há hoje no Brasil, então, é o completo desvirtuamento da Justiça, de forma que julga políticos com rigor determinado pela filiação partidária, pela opção ideológica e de acordo com os ditames midiáticos.
Dois dos juízes do STF que resistem ao tribunal de exceção que está sendo erigido no mesmo STF são acusados de se corromperem a favor de um partido e de um governo e sequer têm força – ou coragem – para protestar contra o que estão padecendo em termos de detração pública.
Seria muito bom para o combate à corrupção se o tratamento dispensado ao mensalão do PT fosse generalizado independentemente de qual seja a legenda partidária, ainda que caiba discussão sobre garantias individuais que estão em xeque diante da tal “flexibilização” que estão sofrendo.
Contudo, o pior dos mundos vai se materializando. Tudo caminha para que o PT e o governo Lula se tornem exceção em uma história do STF de absolvições muitas vezes suspeitas.
Diante desse quadro, constata-se que o PT chegou ao governo, mas não chegou ao poder. Claro que não seria desejável que tivesse poder como o que teve o PSDB quando governou, pois era grande demais e sem contraponto. Mas o poder débil que tem também não é bom.
O governo Dilma, aliás, politicamente é ainda mais fraco do que o governo Lula, até porque a presidente foge de polêmicas e tenta coexistir pacificamente com o poder midiático cedendo às suas pressões mais decididas.
Muitos se revoltam com a postura pusilânime do governo federal diante dos conservadores e da mídia, mas o fato é que a presidente deve saber onde lhe aperta o sapato, ou seja, sabe que sua base de apoio político no Congresso não é confiável.
Eis que é no Legislativo e no Judiciário que este governo tem seus pontos vulneráveis, mas não por uma razão institucional que valesse para qualquer governo, mas porque a mídia se tornou a bússola desses poderes, que a ela se submetem com temor reverencial.
Se há um lado positivo em tudo que está acontecendo, portanto, é o de revelar a situação político-institucional do país. Haverá que lutar muito, na década que se inicia, para que surja um governo que não se submeta a setores diminutos, porém poderosos, como a mídia.
O Brasil precisa, assim, de um líder político carismático e corajoso que se disponha a enfrentar decididamente essas questões. Contudo, não se vislumbra algum político com capacidade de assumir tal posição.
Em alguma medida, é alentador que o objeto do desejo dos que manipulam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário com o joystick midiático não seja alcançado. Até aqui, ao menos, a direita demo-tucana não lucrou eleitoralmente com o julgamento do mensalão.
De forma até surpreendente, a mais vistosa débâcle política está ocorrendo justamente no lado oposto àquele que está na berlinda suprema do STF, com o derretimento lento, gradual e constante da candidatura José Serra, político que se esperava que fosse o grande beneficiário do circo naquela Corte.
A mídia, porém, mantém enorme, imenso, incomensurável poder de manipular as instituições através da chantagem a homens públicos e agremiações políticas que a ela se oponham, chantagem que os ameaça de fazer consigo o que faz com o PT e juízes do STF que a desafiam.
Já o PT, vai ficando provado que conta com o apoio da sociedade, que está ignorando, pelo menos até aqui, a manipulação do julgamento do mensalão. Assim como em 2002, em 2006 e em 2010, os brasileiros seguem dando uma banana à mídia e votando no partido.
Uma vez no poder, governos do PT passam a sofrer o efeito do poder midiático de vetar políticas públicas e dificultar a governança valendo-se de escândalos reais e, sobretudo, forjados.
O drama que se impõe ao país, portanto, é que o STF, ao se converter em tribunal político sob ditames de empresários de comunicação chantagistas e ao tratar desigualmente o mensalão tucano e o petista, faz o país retroceder como nunca do ponto de vista institucional.
O processo civilizatório do Brasil ainda tem muito chão pela frente.
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