Provas diferentes, condenações iguais

Após a votação do Supremo, na segunda-feira, fiquei com diversas dúvidas sobre os quatro votos que condenaram o deputado João Paulo Cunha por corrupção passiva.

Gosto de admitir – algumas pessoas preferem esconder – a extrema modéstia de meus conhecimentos jurídicos. Mas, esforçado espectador do julgamento, reparo no seguinte:
Os debates mostraram que é difícil sustentar com isenção a tese da acusação de que João Paulo negociou um contrato fajuto de R$ 10 milhões com as agências de Marcos Valério. Ricardo Lewandovski mostrou, na 6a. Feira, que o contrato era verdadeiro, implicou em despesas reais, a maior parte delas – R$ 7 milhões — assumidas pelos grandes veículos de comunicação do país. Se a tese de contrato falso for mantida, essas empresas teriam de devolver o dinheiro recebido, como o próprio Lewandovski lembrou. Houve desvio na parte restante? Onde? Como? Também não se demonstrou. Podemos até suspeitar, imaginar, lembrar que essas concorrências são esquisitas mas…
Se os contratos eram reais, cadê a corrupção? Se os fornecedores fizeram sua parte, e receberam por ela, e isso se demonstra com notas fiscais, a impressão é que foi feito um contrato padrão entre um órgão público e empresas prestadoras de serviço. A menos, claro, que se demonstre que tenha havido superfaturamento. Não se fez isso, pelo menos até agora.
Sobrou, então, o pagamento de R$ 50 000 que a mulher de João Paulo foi buscar no Banco Real, deixando nome e sobrenome. Equivale a 0,5% do valor do contrato. A ministra Carmen Lúcia acha que a mulher de João Paulo foi ao banco porque tinha certeza da própria impunidade. É claro que o pressuposto desta visão é que a mulher do deputado era culpada, sabia disso e não se preocupava. Toffoli, que votou pela absolvição de João Paulo, acha que isso prova o contrário. Se fosse dinheiro de propina, argumenta, João Paulo não enviaria a própria mulher apanhá-lo. O pressuposto de Toffoli, claro, é que se trata de uma pessoa inocente. Os dois argumentos devem ser considerados. A discussão é longa e me parece subjetiva demais para uma conclusão.

4. João Paulo Cunha fez o papel de Henrique Pizzolato, ontem. Para quem chegou agora: Pizzolato foi o dirigente do PT condenado por desvio de verbas do Visanet. João Paulo Cunha pegou a mesma condenação na Câmara. Mas são situações iguais? Acho que não. Na acusação contra Pizzolato, até a gerente de publicidade confirma o desvio, dá detalhes, diz que um assessor de Valério admitiu que as campanhas contratadas e pagas não seriam veiculadas. Estamos falando de um crime claro e bem caracterizado. Nada disso apareceu na Câmara. Não há essa testemunha, os documentos conferem. Mesmo assim, João Paulo foi condenado. Por que?

5. Talvez por uma razão que não tem a ver diretamente com as provas. João Paulo mentiu quando os R$ 50 000 foram descobertos e é isso que pode estar sendo usado contra ele. Não se fala mais do caráter fajuto do contrato, mais complicado de sustentar. Não se fala em desvios, porque não há testemunhas. O que se sabe – e isso ninguém nega – é que João Paulo disse que sua mulher fora ao banco pagar uma conta da NET. Depois, voltou atrás e disse que era dinheiro de campanha, pago por Delúbio Soares. Trouxe testemunhas e notas fiscais que dão sustentação a essa versão.

6. O problema é que é a mentira tanto pode servir para encobrir o que seria uma propina paga por Valério – como querem os ministros alinhados com a acusação – como também é coerente com a a história de caixa 2, de quem se alinha com a defesa. Nenhum sujeito apanhado com dinheiro de caixa 2 sái por aí dizendo que recebeu por fora, que está sonegando imposto e assim por diante. Tenta, sempre, contar uma história falsa, para se livrar de novas implicações.

7. Admitindo que João Paulo mentiu – não há dúvida – pode-se até julgar seu caráter. Mas tenho dúvidas se isso define crime de corrupção passiva.
Escrito por Paulo Moreira Leite